O Centro MariAntonia da Universidade de São Paulo (USP) inaugurou a exposição “Paisagem e Poder: construções do Brasil na ditadura”, um profundo mergulho nas transformações urbanísticas e sociais brasileiras durante os anos de regime civil-militar. Com um vasto acervo documental e audiovisual, a mostra não apenas narra, mas também questiona as grandes obras e seus efeitos duradouros nas paisagens e na vida das pessoas. Sob a curadoria de Paula Dedecca, Victor Próspero, João Fiammenghi, Magaly Pulhez, e José Lira, a exposição permanecerá aberta até 30 de junho.
Durante os 21 anos de ditadura civil-militar, o Brasil experimentou uma profunda transformação com a realização de projetos de infraestrutura grandiosos, como conjuntos residenciais, estradas, barragens, e grandes hidrelétricas, que redefiniram não apenas o território nacional, mas também o tecido social e ambiental. Essa era de intensa atividade construtiva é marcada por um duplo legado: o impulso ao desenvolvimento e a exacerbada exploração dos recursos naturais, junto à expansão das desigualdades sociais e à destruição de patrimônios históricos e naturais.
Victor Próspero, curador e recente doutor pela Faculdade de Arquitetura da USP, enfatiza a natureza ambígua dessas obras. Segundo ele, embora representassem avanços no desenvolvimento do país, também simbolizavam uma modernização carregada de autoritarismo e conservadorismo, diretamente atrelada à repressão e ao controle social. O chamado “milagre econômico”, com seu expressivo crescimento do PIB, baseava-se na contenção salarial e na supressão da liberdade sindical, desencadeando um desenvolvimento econômico que pouco se refletiu em progresso social.
Um dos pontos altos da exposição é a análise da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Através de fotografias e reportagens, a mostra ilustra as contradições dessa obra monumental, celebrada como um marco do progresso, mas que, na prática, implicou em consideráveis impactos ambientais e sociais, como a inundação do Salto das Sete Quedas.
Os curadores organizaram a exposição em cinco eixos temáticos: urbanização e planejamento territorial, extrativismo, trabalho e produção, território e integração nacional, e habitação. Cada um desses segmentos desdobra as múltiplas facetas do desenvolvimento imposto pela ditadura, desde a violência contra populações indígenas e o desmatamento da Amazônia até os desafios habitacionais e a industrialização acelerada.
Um aspecto central da mostra é a crítica ao modelo de desenvolvimento adotado, que priorizava o crescimento econômico em detrimento da equidade social e da sustentabilidade ambiental. Documentos, filmes, e outros registros da época convidam o público a refletir sobre as decisões políticas e econômicas que moldaram o Brasil contemporâneo, muitas das quais ainda ressoam nos desafios atuais do país.
O Centro MariAntonia, local da exposição, tem seu próprio legado de resistência e memória. Marcado pela histórica Batalha da Maria Antonia em 1968, o centro hoje se dedica a fomentar a reflexão crítica sobre arte, cultura, e sociedade, fazendo desta exposição um elo entre passado e presente, na busca por compreender as complexas relações entre paisagem, poder, e identidade no Brasil.
Além da mostra, uma série de debates e exibições de filmes complementará a programação, proporcionando uma plataforma