A exposição Vidas em Cordel no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, traz à tona a rica tradição da literatura de cordel, celebrando histórias de vida e cultura popular através de versos rimados. A iniciativa, uma colaboração entre o Museu da Língua Portuguesa e o Museu da Pessoa, valoriza a ancestralidade, a oralidade e a memória coletiva do país. Com curadoria do poeta e cordelista Jonas Samaúma, do pesquisador Marco Haurélio e da xilogravadora Lucélia Borges, a mostra busca conectar o público às raízes culturais brasileiras.
Inaugurada neste sábado (2), Vidas em Cordel traz 21 histórias contadas em forma de cordel, incluindo a de personalidades como o jornalista Gilberto Dimenstein e o líder indígena Ailton Krenak. Contudo, a exposição também abre espaço para relatos de pessoas comuns, cuja trajetória representa contribuição significativa para a cultura e o país. As narrativas estão acessíveis ao público de forma gratuita, tanto no museu quanto online, permitindo um acesso democrático ao acervo cultural.
Após passar por cidades como Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, a mostra chega à capital paulista com três histórias inéditas: César Vieira, Cleone Santos e MC Kawex. Vieira, pseudônimo de Idibal Matto Pivetta, foi um advogado que defendeu presos políticos durante a ditadura militar e fundou o grupo Teatro Popular União e Olho Vivo, pioneiro na criação coletiva teatral. Seu filho, Lucas Cesar Pizzetta, que herdou o pseudônimo como Cesinha, ressalta o valor do trabalho do pai, que sempre lutou por um país mais justo e igualitário. Para ele, iniciativas como essa são essenciais para preservar a memória da cultura popular brasileira.
A história de César Vieira foi adaptada para o cordel pela poeta Maria Celma. “A experiência de transformar a biografia de Idibal em cordel foi enriquecedora”, diz ela. Celma se dedicou a entender sua trajetória assistindo entrevistas e lendo sobre ele. “Além de prazeroso, foi uma experiência enriquecedora escrever sobre ele. Isso me enriqueceu como pessoa, cidadã e brasileira.”
A curadora Camila Aderaldo, do Museu da Língua Portuguesa, destaca o valor da exposição em São Paulo: “Conseguimos reunir histórias de personalidades da nossa vizinhança, no entorno do museu, tornando-as presentes e visíveis por meio da literatura.”
A exposição também explora a origem e o valor cultural do cordel, prática que remonta a tempos antigos, quando a comunicação oral era o principal meio de contar histórias. Surgida na Europa, essa forma de narrativa chegou ao Brasil com uma identidade própria, ganhando destaque pelo uso da xilogravura. No cordel, as narrativas abordam temas sociais, humorísticos e críticos, e são apresentadas em pequenos livretos ilustrados com entalhes em madeira. Em 2018, a literatura de cordel foi reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio cultural e imaterial brasileiro, consolidando sua importância para a cultura nacional.
“A literatura de cordel tem uma força enorme para todos os brasileiros. Essa exposição não é só bonita, mas também essencial do ponto de vista sociocultural”, explica Maria Celma. Ela reforça o valor do projeto de preservar a tradição e transmitir valores através das gerações.
Uma das atrações da exposição é a cabine interativa, onde os visitantes podem registrar suas próprias histórias, que se tornarão parte do acervo do Museu da Pessoa. Camila Worcman, fundadora do Museu da Pessoa, ressalta que o objetivo da instituição é transformar a história de cada pessoa em um objeto de museu. “O museu visa promover uma democratização da memória social, ampliando a forma como contamos nossa história”, afirma Worcman.
Além das histórias contadas por cordel, o visitante pode acessar as narrativas e um livreto educativo Vidas em Cordel para Educadores, disponível online e voltado para atividades pedagógicas. A coordenadora explica que o livreto serve como ferramenta para professores e escolas explorarem o universo do cordel em sala de aula, incentivando o interesse pelo tema nas novas gerações.
O Museu da Língua Portuguesa exibe a mostra Vidas em Cordel no Saguão B até fevereiro, oferecendo uma oportunidade única de contato com a cultura popular e ancestralidade brasileira. Para muitos visitantes, a exposição representa uma celebração das vozes que ajudaram a construir o Brasil e continuam inspirando a resistência cultural e o orgulho pela identidade nacional.
Para Worcman, as iniciativas de exposições como Vidas em Cordel revelam que “toda vida merece ser preservada e transformada em memória coletiva”. A exposição se torna um portal para o passado e para o futuro da cultura brasileira, destacando a importância de contar histórias como forma de preservar tradições e fortalecer identidades. Afinal, como diz a canção Chico Preto, a história de cada um merece ser contada em cordel.
Fonte: Agência Brasil