Luiz Antônio Ceccon viu sua vida ser transformada drasticamente quando as águas do Rio Jacuí invadiram a Ilha da Pintada, em Porto Alegre (RS). Em um único dia, ele perdeu sua casa, sua criação de animais e sua fonte de renda como pescador. “Eu tinha barco, rede, ovelha, cabrito, porco, perdi tudo. Minha casa ficava longe, só acessível de barco. Agora, eu e minha esposa estamos abrigados no Ginásio Elyseu Quinhones, em Eldorado do Sul”, lamenta.
A tragédia vivida por Luiz faz parte do cenário devastador que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Segundo dados oficiais, as enchentes afetaram 468 municípios, impactando 2,34 milhões de pessoas, com um saldo de 183 mortos, 806 feridos e 27 desaparecidos.
Enquanto o Sul do país lidava com o excesso de chuvas, o Norte sofria com a estiagem extrema. Em fevereiro, a Comunidade de Tumbira, no município de Iranduba (AM), ainda se recuperava de um período prolongado de seca. “O calor intenso, a fumaça, o rio seco e as ilhas de capim se tornaram rotina. O Cauxim, um resíduo orgânico liberado com o baixo nível do Rio Negro, causou alergias na população”, explica o líder comunitário Roberto Macedo.
Esses eventos extremos são analisados no relatório “Brasil em Transformação”, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo destaca que 92% dos municípios brasileiros já registraram algum tipo de desastre natural e que esses eventos estão se tornando mais frequentes devido ao aumento da temperatura global.
Os pesquisadores cruzaram dados do Climate Change Institute, da Universidade do Maine, com informações do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, abrangendo os anos de 1991 a 2023. A análise revelou que um aumento de apenas 0,1 grau Celsius na temperatura média global do ar corresponde a um aumento de 360 registros de desastres no Brasil. Se o aquecimento ocorrer nos oceanos, esse número sobe para 584.
Ao todo, foram registrados 64.280 desastres climáticos no Brasil entre 1991 e 2023, classificados em cinco categorias:
- Climatológicos: secas, incêndios florestais, baixa umidade do ar (49,8% do total);
- Hidrológicos: enchentes, inundações, alagamentos (26,58%);
- Meteorológicos: ondas de calor, frio, ciclones (19,87%);
- Geológicos: deslizamentos, terremotos, erosão (3,32%);
- Biológicos: epidemias, infestações (0,35%).
A cada 0,1°C de aumento na temperatura global do ar, os prejuízos econômicos estimados no Brasil chegam a R$ 5,6 bilhões. “Esse é um dado subestimado, pois consideramos apenas os valores declarados pelas prefeituras na plataforma de desastre da Defesa Civil. O impacto real é muito maior”, ressalta o pesquisador Ronaldo Christofoletti.
Os efeitos dos desastres climáticos são sentidos em duas frentes: a primeira, de forma direta, com perdas materiais e danos à infraestrutura; e a segunda, de forma indireta, quando o governo precisa redirecionar recursos públicos para emergências, comprometendo investimentos em educação e saúde.
Além dos danos materiais, os impactos psicológicos são significativos. Nos últimos quatro anos (2020 a 2023), 78 milhões de brasileiros foram afetados por desastres climáticos, representando 70% do total registrado na década anterior. “Muitas dessas pessoas perdem histórias de vida junto com suas casas. A dor de perder um lar que passou por gerações é imensurável”, destaca Christofoletti.
Outro estudo da Unifesp apontou que 62% dos entrevistados têm medo de dias chuvosos, um reflexo da insegurança gerada pelas catástrofes climáticas. “Quando esse medo se torna generalizado, ele se transforma em um problema de saúde mental que precisa ser abordado”, conclui o pesquisador.
Nos próximos meses, o Instituto do Mar da Unifesp aprofundará a análise de cada tipo de desastre e seus impactos específicos. A expectativa é que os dados ajudem na formulação de políticas públicas mais eficazes para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no Brasil.
Fonte: Agência Brasil