O Dia Internacional da Democracia é celebrado em 15 de setembro, e sua importância global é ressaltada pela defesa contínua dos valores democráticos. A Organização das Nações Unidas (ONU), desde sua criação em 1945, tem promovido a participação popular nas decisões coletivas como um dos pilares de uma sociedade justa e igualitária. No entanto, somente em 2007, 62 anos após sua fundação, a ONU reconheceu oficialmente o 15 de setembro como o Dia Internacional da Democracia, em homenagem à Declaração Universal da Democracia, assinada dez anos antes em uma conferência interparlamentar no Cairo, Egito.
Quando o Brasil assinou a Declaração Universal da Democracia, em 1997, o país ainda estava em processo de consolidação democrática. Apenas nove anos haviam se passado desde a promulgação da Constituição de 1988, e o fim da Ditadura Militar, em 1985, ainda era um evento relativamente recente na memória coletiva do país. Esses marcos históricos continuam a influenciar o entendimento atual sobre os desafios que a democracia brasileira enfrenta.
Em 2024, na 17ª edição do Dia Internacional da Democracia, especialistas ouvidos pela Agência Brasil destacaram a necessidade urgente de proteger e fortalecer a democracia no Brasil, especialmente após os eventos críticos dos últimos anos. Desde a polarização política intensificada nas eleições de 2017 até a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, o país enfrentou ameaças significativas à sua estrutura democrática. Essas questões têm provocado um debate contínuo sobre o papel das instituições e a importância de evitar que retrocessos prejudiquem a democracia.
Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, aponta que a democracia brasileira tem sofrido ataques sistemáticos, especialmente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele ressalta que os atentados de 8 de janeiro de 2023 foram um dos momentos mais críticos, destacando o papel fundamental das instituições para garantir a continuidade do estado democrático de direito. “Se não fosse a solidez de algumas das nossas instituições, poderíamos estar discutindo o fim da democracia brasileira”, afirma Sottili.
Ele ainda destaca a necessidade de mecanismos mais robustos para a promoção de justiça e a responsabilização daqueles que violaram os princípios democráticos. A impunidade, segundo ele, é um fator que perpetua a vulnerabilidade do sistema democrático no Brasil. “Quando um país não lida com seu passado de forma adequada, como o Brasil não fez após a Ditadura Militar, isso cria uma cultura de impunidade que favorece novos ataques à democracia”, observa Sottili, fazendo uma correlação direta com os eventos recentes.
Eugenia Gonzaga, procuradora Regional da República e presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, concorda com Sottili e enfatiza que a falta de uma Justiça de Transição no Brasil tem sido um fator determinante para a repetição de atos antidemocráticos. “O Brasil não promoveu a responsabilização adequada dos agentes de segurança e políticos que violaram direitos humanos durante a Ditadura Militar”, afirma. Para Gonzaga, o ataque de 8 de janeiro de 2023 reflete a continuidade de um ciclo de impunidade e de uma história distorcida que tem sido contada no país. “A falsa narrativa de que o golpe militar de 1964 salvou o Brasil do comunismo é um exemplo claro de como a verdade foi manipulada ao longo dos anos”, ressalta.
Além disso, a proliferação de fake news é apontada como um dos principais desafios para a manutenção da democracia nos tempos atuais. Nilmário Miranda, ex-deputado federal e preso político durante os anos 1970, destaca que não há democracia sustentável sem uma base sólida de verdade e memória. Para ele, a manipulação da história e a disseminação de notícias falsas minam os alicerces democráticos. “A democracia se constrói com memória verdadeira. Por isso, ações como a Comissão da Verdade são essenciais para garantir que o passado seja conhecido e que não se repita”, defende Miranda.
Os desafios para a democracia, no entanto, não se limitam à preservação da memória histórica. Adriano Diogo, geólogo e ex-preso político, que atuou na Comissão da Verdade de São Paulo, afirma que o avanço da comunicação digital tem representado uma nova frente de combate para a defesa dos princípios democráticos. Apesar das dificuldades, ele ainda considera o sistema democrático como o mais avançado disponível. “A democracia tem suas falhas, mas é o único sistema que coloca a participação popular no centro das decisões”, afirma Diogo.
Com o retorno de uma maior conscientização sobre os valores democráticos e o fortalecimento das instituições, o Brasil tem a oportunidade de avançar em sua jornada democrática. No entanto, a manutenção dessa trajetória depende da capacidade do país de aprender com seu passado e, mais importante, garantir que nunca mais haja retrocessos.
Fonte: Agência Brasil