A inclusão de estudantes indígenas nas universidades foi o tema central do XI Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI), que reuniu cerca de mil estudantes de mais de 100 povos indígenas em Brasília. Organizado pela Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília (AAIUnB), o evento aconteceu na última semana e incluiu debates e reuniões com representantes dos três poderes públicos. A palavra-chave de foco “estudantes indígenas” foi o eixo principal das discussões, que visaram garantir a ampliação do acesso dos indígenas ao ensino superior, respeitando suas particularidades culturais.
Uma das principais pautas do encontro foi a discussão sobre cotas nas universidades e a criação de uma universidade específica para os povos indígenas, que respeite suas particularidades culturais e educacionais. Durante audiências no Senado, os estudantes entregaram uma carta de reivindicações redigida por coletivos indígenas de 25 universidades, ressaltando a importância de uma instituição de ensino superior voltada exclusivamente para as demandas dos povos originários.
Na Câmara dos Deputados, o foco foi a presença indígena no ensino superior e como a ciência indígena pode ser uma ferramenta de promoção da equidade. “Queremos trazer a ciência indígena para dentro da universidade, não somente ficar na grade ocidental, que as universidades oferecem, mas trazer também a nossa diversidade, a nossa identidade”, afirmou Manuele Tuyuka, presidente da AAIUnB, destacando o papel da educação indígena como ponte para a valorização da cultura e conhecimento desses povos.
O estudante Alisson Cleomar, da etnia Pankararu, relatou os desafios enfrentados no ambiente acadêmico, especialmente o preconceito. Aos 29 anos, Alisson cursa medicina na Universidade de Brasília (UnB) e relembra as dificuldades que passou para ser reconhecido como um aluno capaz de acompanhar o curso. “Passei por vários professores que não me enxergavam como alguém capaz de estar ali. Isso me prejudicou não só academicamente, mas também psicologicamente”, desabafa.
Alisson destacou ainda a importância da rede de apoio entre os estudantes indígenas para superar essas barreiras. Ele conta que divide moradia com outros universitários indígenas, e que o senso de coletividade é o que sustenta a continuidade dos estudos. O apoio entre os estudantes indígenas é fundamental para superar os desafios cotidianos, especialmente para aqueles que enfrentam preconceito ou dificuldades financeiras.
A estudante de engenharia florestal Thoyane Fulni-ô Kamayurá, de 22 anos, também relatou como a rede de apoio foi essencial para sua trajetória. Thoyane, que ficou grávida no início do curso, precisou interromper os estudos, mas se manteve firme em seu propósito de concluir a graduação. “Foi desafiador, mas a gente aprende desde cedo a se virar sozinho. Como muitos indígenas, temos essa questão do trabalho coletivo, e isso me ajudou a continuar”, conta Thoyane, reforçando a resiliência das mulheres indígenas diante das dificuldades.
Para muitos estudantes indígenas, o maior desafio é deixar a aldeia e seus costumes para estudar em universidades distantes. Yonne Alfredo, de 25 anos, da etnia Tikuna, do Amazonas, enfrenta essa realidade ao cursar biologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela conta que, apesar do apoio dos veteranos, a transição foi difícil. “É uma mudança enorme. Foi doloroso deixar minha cidade, meus hábitos, meus costumes”, revela Yonne, que, apesar das dificuldades, pretende continuar na cidade após concluir a graduação para realizar pesquisas e compreender melhor as necessidades de seu povo antes de retornar à aldeia.
Esses depoimentos mostram que, além dos desafios acadêmicos, os estudantes indígenas enfrentam uma ruptura cultural ao deixar suas comunidades. No entanto, muitos enxergam na universidade uma oportunidade de fortalecer suas tradições e adquirir o conhecimento necessário para contribuir com o desenvolvimento de suas aldeias.
A discussão sobre a criação de uma universidade indígena é vista como um passo importante para a promoção da ciência indígena no Brasil. A ideia é construir uma instituição que respeite os saberes tradicionais e ofereça um ambiente acadêmico que integre esses conhecimentos ao currículo convencional.
Durante o XI ENEI, os estudantes indígenas reforçaram a importância de que suas demandas sejam atendidas, destacando que a ciência indígena pode desempenhar um papel central na construção de um ensino superior mais inclusivo e plural. A presença indígena nas universidades é uma conquista, mas os desafios ainda são muitos, e o caminho para a equidade passa pela inclusão de suas culturas e saberes no ensino superior.
Fonte: Agência Brasil