“Um poema só pode ser escrito à mão, jamais no computador”, afirma a poetisa britânica Nikita Gill. Um dos motivos, diz, é que ela costuma começar a escrever do fim para o começo. “Tenho sempre um caderno perto de mim. Quando escrevo, já edito na minha cabeça o que quero dizer, é um filtro natural.” Para Gill, trata-se de um ato de afirmação. “As palavras têm um outro valor quando escritas à mão.”
Nikita Gill participou de uma live sobre escrita à mão organizado pela Montblanc, marca alemã que ganhou fama com os instrumentos de escrita. Da grife, participaram o vice-presidente de marketing Vincent de Montalescot e o diretor criativo Zaim Kamal. O moderador foi o diretor de redação da GQ britânica Dylan Jones. No fim, os participantes fizeram uma aula de escrita com o calígrafo Seb Lester.
Zaim Kamal aponta a criatividade como motivo para dar preferência ao velho conjunto de papel e caneta no lugar do notebook. “Quando escrevemos à mão deixamos o pensamento fluir livremente. No computador, esse fluxo é constantemente interrompido, ficamos procurando as palavras certas. Quando vejo meus cadernos escritos fico muito satisfeito.”
O ato nos leva a pensar mais devagar, a criar um processo, segundo Kamal. “É um treino para a mente entender o que estamos fazendo. Você quer encontrar algo quando está escrevendo”, afirma. Para o executivo Vincent Montalescot, escrever à mão é particularmente útil neste período de quarentena pela pandemia do coronavírus. “É um convite a uma redução de velocidade, um instrumento para dominar nossa ansiedade.”
Passamos para a aula de caligrafia. Lester convida todos a escrever sua palavra favorita. “É um exercício que pede reflexão”, afirma. A dele é play. “É uma palavra importante em inglês, tem diversos significados, e um sentido positivo”, diz. E a letra mais difícil de desenhar? “A letra S. Não tem traços retos de apoio, depende da maleabilidade da mão”, diz Lester.
A Montblanc lançou recentemente o #InspireWriting, uma iniciativa que convida as pessoas a se expressar através da escrita, em todas as suas formas. Desde o início de junho, os entusiastas da escrita participam de desafios diários de redação estabelecidos por uma seleção de influenciadores da marca.
“Embora as circunstâncias recentes tenham se mostrado desafiadoras em todo o mundo, muita gente encontrou conforto e prazer na arte da escrita, compartilhando mensagens de esperança com entes queridos ou encontrando maneiras de expressar sua criatividade”, diz Vincent Montalescot.
Terminada a live e a aula, falei com o calígrafo brasileiro Fabio Maca sobre esse tão antiquado e ao mesmo tempo tão atual hábito de registro. De acordo com Maca, a quarentena trouxe novo sentido em escrever à mão. “Esse período fez com que a gente se isolasse, e a escrita é uma forma de criar conexões. Quando escrevemos um bilhete, ou mesmo um diário, mesmo que estejamos só pensando em outra pessoa, isso é uma conexão”, afirma.
Escrever é exercitar quem a gente é, as nossas próprias ideias, diz Maca. “É uma maneira de dar forma a algo quando nossos pensamentos estão soltos, com ou sem quarentena. Nossas vidas e rotinas foram drasticamente alteradas em resultado de eventos recentes, com as pessoas sendo obrigadas a ficar em casa, procurando novas maneiras de romper limites e se expressar.”
Segundo Maca, a caligrafia é uma forma de auto expressão para a qual muitos se voltaram. “Escrever à mão não é apenas um veículo para a criatividade, mas também uma maneira significativa e pessoal de se conectar com os outros e, de todas essas formas, se conhecer melhor”, diz.
Na hora de escolher seu instrumento de escrita, Maca prefere a caneta tinteiro. “É mais precisa e mais delicada. Como tem diversas espessuras e pode ser usada com diversas tintas, permite novos meios de expressão. Também tem flexibilidade. Se você faz força, o traço sai mais grosso. Quando solta, fica fino. O exercício da escrita, no fim, fica ainda mais prazeroso.”
fonte: EXAME