O governo federal prepara uma nova ofensiva junto ao Congresso Nacional para colocar novamente em pauta a regulação das plataformas digitais, especialmente diante do aumento de crimes praticados em redes sociais e da crescente influência das chamadas big techs sobre o debate público nacional e internacional. A informação foi confirmada por João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
“O governo está terminando de definir sua posição de mérito e de estratégia. Nossa compreensão é que essa regulação precisa equilibrar três coisas: primeiro, a responsabilidade civil das plataformas; segundo, o que a gente chama de dever de prevenção e precaução, que significa atuar preventivamente para evitar a disseminação de conteúdos ilegais e danosos; e terceiro, que elas atuem na mitigação dos riscos sistêmicos da sua atividade”, afirmou Brant durante palestra na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na última semana.
A proposta central dessa discussão segue sendo o Projeto de Lei nº 2.630 de 2020, conhecido como PL das Fake News, que já foi aprovado no Senado, mas enfrenta resistência e travas políticas na Câmara dos Deputados desde o ano passado. Enquanto isso, as plataformas continuam sendo reguladas majoritariamente pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que limita a responsabilidade das redes sociais ao descumprimento de ordens judiciais.
Na prática, isso significa que as plataformas decidem sozinhas como moderar conteúdos ofensivos, violentos ou desinformativos, de acordo com suas próprias políticas internas, sem necessariamente se comprometer com os princípios de prevenção e transparência pública.
Crimes digitais reacendem debate público
A falta de regulação se torna ainda mais crítica diante de casos recentes envolvendo violência contra crianças e adolescentes, muitas vezes estimulada ou facilitada por redes sociais. Esse cenário reacende a urgência do debate sobre a responsabilização das plataformas e a necessidade de medidas legais que limitem os riscos sistêmicos de suas atividades.
“No caso da regulação ambiental, por exemplo, você olha para os riscos sistêmicos da atividade o tempo inteiro. Por que com as plataformas seria diferente?”, questiona João Brant.
A preocupação com os danos sociais provocados pelas redes é compartilhada por especialistas, como o professor Afonso Albuquerque, coordenador do Centro de Referência para o Ensino do Combate à Desinformação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para ele, a regulação deve ir além da responsabilização civil, incluindo regras claras sobre financiamento, algoritmos e transparência das plataformas.
“Nós temos agentes privados com enorme capacidade de intervir nos debates nacionais. Hoje, operamos no terreno da mais pura ilegalidade”, alerta Albuquerque.
Pressão internacional e impacto geopolítico
Curiosamente, uma ajuda inesperada à pauta da regulação pode estar vindo dos Estados Unidos. O governo Trump, ao adotar políticas tarifárias que afetam diretamente os interesses de bilionários ligados às big techs, como Elon Musk e Mark Zuckerberg, tem provocado tensões que ultrapassam as fronteiras norte-americanas. Para Albuquerque, essas atitudes têm gerado uma reação em cadeia em diversos países.
“A postura agressiva desses empresários, que demonstram pouco respeito pela soberania nacional de países como o Brasil, acaba evidenciando a necessidade de regulação. Essa ameaça existe desde a origem das plataformas, mas o comportamento recente dos aliados de Trump deixa tudo mais visível”, analisa o professor.
Nesse contexto, o episódio recente envolvendo Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil ganhou projeção internacional. Musk, ao descumprir decisões judiciais brasileiras, teve seu serviço ameaçado de suspensão, mas acabou recuando e aceitando as regras impostas pelo Estado brasileiro. Para Brant, o episódio representou uma virada simbólica:
“Foi um momento em que o mundo inteiro observou como o Brasil lidaria com o desafio. E o resultado mostrou que o Estado pode, sim, impor limites às plataformas.”
Pressão social e futuro da legislação
Segundo Brant, dois temas podem ajudar a gerar apoio popular à regulação: a proteção de crianças e adolescentes e a crescente ocorrência de fraudes digitais. Em ambos os casos, as plataformas têm papel relevante, seja por omissão na fiscalização, seja por lucrarem com a veiculação de conteúdos fraudulentos.
“Em muitos casos, as plataformas são sócias desses golpes porque recebem dinheiro para veicular conteúdos claramente enganosos”, aponta.
Para além da regulação nacional, Albuquerque defende também a criação de mecanismos transnacionais, com regras globais pactuadas entre países e mecanismos de fiscalização multilaterais. Isso garantiria que a atuação das big techs fosse balizada por normas de governança democrática, respeitando os marcos legais de cada país.
Enquanto isso, o governo federal trabalha para reorganizar sua base no Congresso e garantir o avanço do PL 2.630. A expectativa é que, com o apoio da sociedade civil, de especialistas e de decisões judiciais recentes, a agenda da regulação digital volte a ganhar fôlego e avance no parlamento.
Fonte: Agência Brasil