O programa Caminhos da Reportagem, foi exibido pela TV Brasil nessa segunda-feira, às 23h, trouxe uma edição especial intitulada “Palavras Ancestrais”, que aborda a crescente representatividade da literatura indígena no Brasil. A edição conta com depoimentos de renomados escritores indígenas, como Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Eliane Potiguara e Francy Baniwa, que refletem sobre o impacto da produção literária dos povos originários e a valorização de suas narrativas.
A recente eleição de Ailton Krenak para a cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2024 representou um marco histórico. Filósofo, escritor e ambientalista, Krenak tornou-se o primeiro imortal indígena da instituição, trazendo maior visibilidade para a literatura indígena no cenário nacional.
“Para mim, a entrada de pessoas indígenas nos espaços de decisão da vida política e cultural brasileira já chega atrasada. Eu cheguei à Academia Brasileira de Letras com pelo menos uns 30 anos de atraso. Na minha fala de agradecimento, disse que iria levar comigo 305 povos”, afirmou Krenak, destacando a importância da ocupação desses espaços por autores indígenas.
Crescimento da Literatura Indígena
A presença indígena no mercado literário tem crescido significativamente. Segundo Daniel Munduruku, autor de mais de 60 livros e ganhador do Prêmio Jabuti, existem atualmente cerca de 120 escritores indígenas no Brasil e aproximadamente 350 títulos reconhecidos como produção literária originária.
“Isso cresce a cada dia. Temos um espaço cada vez maior, e a literatura indígena se fortalece como uma ferramenta essencial para levar nossas histórias e conhecimentos para todas as pessoas, especialmente crianças e adolescentes”, disse Munduruku, que também criou um selo editorial para incentivar novos autores indígenas.
Entre os pioneiros desse movimento está Kaká Werá, organizador do livro Apytama – Floresta de Histórias, vencedor do Prêmio Jabuti 2023 na categoria infantojuvenil. Werá enfatiza que a literatura indígena não deve ser vista como um contraponto à literatura não indígena, mas sim como um meio de contribuir com a sociedade de forma ampla.
“A literatura indígena não é para contrapor o não indígena, é para colaborar com a sociedade como um todo”, explicou Kaká Werá.
A Primeira Escritora Indígena
Reconhecida como a primeira escritora indígena a publicar um livro no Brasil, Eliane Potiguara lançou em 1989 a cartilha A Terra é a Mãe do Índio. Durante a década de 1970, ela atuou como professora e ativista em comunidades indígenas, enfrentando desafios durante o período da ditadura militar.
“Foi um período muito difícil, quando sofremos diversos problemas. Naquele momento, entrei para a militância e depois fundei o Grumin – Grupo Mulher e Educação Indígena”, relembrou Eliane.
A trajetória de mulheres indígenas na literatura continua sendo reconhecida. Eva Potiguara, representando um grupo de escritoras indígenas, recebeu o Prêmio Jabuti 2023 na categoria Fomento à Leitura pelo livro Álbum Biográfico – Guerreiras da Ancestralidade.
“São muitas histórias de luta, de muito combate, mas também de muita esperança”, destacou Eva.
A Primeira Mulher Indígena na Antropologia
Outro nome que se destaca na produção intelectual indígena é Francy Baniwa, primeira mulher indígena brasileira a publicar um livro de Antropologia. Em 2023, ela lançou Umbigo do Mundo pela Dantes Editora. Doutora em Antropologia pelo Museu Nacional da UFRJ, Francy reflete sobre a importância de narrativas escritas por indígenas para a academia e a sociedade.
“A Antropologia chegou na minha vida como uma forma de falar sobre as narrativas a partir do meu ponto de vista como indígena, como mulher. O intuito é falar por nós, contar nossas histórias com nossa própria interpretação”, afirmou Francy Baniwa.
Para o antropólogo Idjahure Kadiwel, a publicação de obras como Umbigo do Mundo, A Queda do Céu (de Davi Kopenawa e Bruce Albert) e Antes o Mundo Não Existia (de Umusi Parokumu e Toramu Kehiri) é essencial para ampliar a compreensão sobre os conhecimentos dos povos originários.
“A gente gostaria que houvesse mais livros como esses. Essa produção narrativa tem muito a nos ensinar sobre botânica, ecologia e pensamento filosófico”, destacou Kadiwel.
O fortalecimento da literatura indígena no Brasil reflete um movimento crescente de valorização da cultura e das narrativas dos povos originários, contribuindo para um debate mais amplo sobre diversidade, representatividade e saberes ancestrais.
Fonte: Agência Brasil