A legalização do aborto foi o foco de uma grande manifestação realizada em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), na capital paulista. O ato marcou o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, uma data simbólica na defesa dos direitos reprodutivos das mulheres. Centenas de manifestantes se reuniram no local para exigir a descriminalização da prática no Brasil, onde o aborto ainda é crime, salvo em situações específicas.
A legislação brasileira permite a interrupção da gravidez apenas nos casos de estupro, risco à vida da gestante ou feto anencéfalo. Contudo, mesmo nesses cenários, a realização do aborto enfrenta obstáculos. “No Brasil, o aborto legal ainda está muito difícil de ser realizado, mesmo quando previsto em lei. Há poucos hospitais que oferecem esse serviço, e muitos se recusam a fazê-lo”, destacou Paula Nunes, codeputada da Bancada Feminista da Assembleia Legislativa de São Paulo, que esteve presente na manifestação.
Paula ressaltou que a principal demanda do movimento é transformar o aborto em uma política de saúde pública. “Queremos que o aborto seja tratado como uma questão de saúde pública, como já acontece em muitos países do mundo. É preciso garantir o acesso a um procedimento seguro para todas as mulheres, independentemente de sua condição financeira”, afirmou.
A disparidade no acesso ao aborto seguro é uma das maiores preocupações dos movimentos feministas. Paula Nunes enfatizou que a atual legislação e a falta de acesso a clínicas especializadas fazem com que mulheres de baixa renda enfrentem os maiores riscos. “Sabemos que quem tem dinheiro pode pagar por clínicas privadas para realizar o procedimento de forma segura. Já as mulheres que não têm recursos acabam recorrendo a clínicas clandestinas ou métodos perigosos, o que coloca suas vidas em risco”, alertou a codeputada.
No Brasil, o aborto ilegal é punido com penas que variam de um a três anos, caso seja provocado pela gestante ou com o seu consentimento. Se o procedimento for realizado sem o consentimento da gestante, a pena pode chegar a dez anos. Essa criminalização é um dos fatores que impulsionam a busca por alternativas clandestinas, muitas vezes perigosas e letais.
Em 2023, o Brasil registrou 74.930 estupros, o maior número da história. Desse total, 56.820 foram estupros contra vulneráveis, ou seja, contra pessoas que não têm condições de oferecer resistência ou de consentir, como menores de idade. O país também contabilizou 2.687 casos de aborto legal, dos quais 140 foram realizados em meninas de até 14 anos. Esse número mais que dobrou em relação a 2018, quando foram registrados 60 procedimentos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram realizados 291 abortos legais.
Esses dados alarmantes demonstram a gravidade da situação e a necessidade de um debate urgente sobre a descriminalização do aborto no Brasil. Para os defensores dos direitos das mulheres, o acesso ao aborto seguro deve ser garantido, especialmente para as mulheres vítimas de violência sexual e para aquelas em situação de vulnerabilidade.
A questão do aborto também está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto de 2024, a Corte formou maioria para rejeitar um recurso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que buscava anular o voto da ministra aposentada Rosa Weber favorável à descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. No entanto, o mérito da questão ainda não foi julgado.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 1904 propõe equiparar a interrupção da gravidez após esse período ao crime de homicídio, aumentando a pena máxima de 10 para 20 anos. A proposta gerou ampla mobilização popular e ainda não foi colocada em votação.
Rana Agarriberri, da Frente Estadual pela Legalização do Aborto de São Paulo, que também participou da manifestação, afirmou que a luta não se limita às discussões no Congresso e no Judiciário. “Achamos importante debater isso em todas as esferas, mas temos certeza de que nossos direitos são conquistados nas ruas. Por isso, estamos aqui hoje. Queremos pressionar o Congresso a votar medidas que protejam a vida das mulheres e garantam o direito ao aborto seguro”, declarou.
Enquanto a manifestação acontecia em São Paulo, Brasília também foi palco de uma ação em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres. No Armazém do Campo, foi exibido o filme Levante (2024), que aborda a história de Sofia, uma jovem atleta de 17 anos que descobre estar grávida pouco antes de uma competição de vôlei decisiva. O filme, que vem sendo cotado para o Oscar, é um retrato sensível das pressões sociais e pessoais enfrentadas por jovens gestantes no Brasil.
A exibição foi seguida de um debate sobre o direito ao aborto e a necessidade de avançar nas discussões sobre descriminalização no país. Assim como no protesto em São Paulo, o evento em Brasília ressaltou a urgência de políticas públicas que assegurem o direito das mulheres à escolha e à proteção de sua saúde.
Fonte: Agência Brasil