Roberto Marinho é o foco do segundo volume da trilogia escrita pelo jornalista e doutor em História Leonencio Nossa. Intitulada Roberto Marinho: A Globo na Ditadura – Dos Festivais às Bombas no Riocentro, a obra será lançada no dia 24 de abril pela editora Nova Fronteira e mergulha nos bastidores da consolidação da Rede Globo durante o regime militar. A biografia revela não apenas os caminhos trilhados por Marinho rumo ao domínio midiático, mas também o entrelaçamento da emissora com o contexto político mais repressivo da história recente do país.
O primeiro volume da trilogia, publicado em 2019, tratava da trajetória de Marinho desde o seu nascimento em 1904 até a criação do Jornal Nacional, em 1967. O segundo livro dá continuidade a esse percurso, concentrando-se no período da ditadura militar e nos acontecimentos que culminaram no atentado do Riocentro, em 1981. Segundo o autor, trata-se do momento mais intenso da vida pessoal e profissional do empresário carioca.
Leonencio Nossa, vencedor de prêmios jornalísticos como o Esso e o Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, conversou com a Agência Brasil e explicou que o projeto nasceu ainda nos tempos de faculdade, inspirado pelo sucesso de Chatô: o Rei do Brasil, biografia de Assis Chateaubriand escrita por Fernando Morais. “Sempre imaginei que alguém escreveria a biografia do próximo grande dono da mídia”, afirmou o jornalista.
Na entrevista, Leonencio destaca que a história da Globo é muitas vezes contada em meio aos debates políticos do presente, mas raramente abordada de forma biográfica. “Todos os pontos polêmicos da história da Globo são narrados à exaustão, mas não do ponto de vista da trajetória pessoal de Roberto Marinho”, observou.
A obra baseia-se em três pilares metodológicos: pesquisa documental em arquivos nacionais e internacionais, entrevistas com familiares e antigos colaboradores de Marinho, além de observações in loco sobre os ambientes em que o empresário viveu e atuou. O acervo do próprio Grupo Globo, coordenado por Silvia Fiuza, também foi uma importante fonte de consulta.
Leonencio explica que, embora Roberto Marinho tenha vivido distintas fases da comunicação – do jornal impresso à televisão –, sua personalidade e visão empresarial mantiveram-se constantes. “É um personagem sem grandes contradições, que seguiu uma linha muito definida. Ele era o próprio grupo de comunicação. Contar a história da Globo é, em essência, contar a história dele”, explicou.
A transição de Marinho de uma posição modesta para o topo da indústria midiática também é abordada. Segundo o autor, até a morte de Assis Chateaubriand, ele era apenas o quinto maior empresário do setor. Contudo, em uma década, tornou-se o líder absoluto, com a TV Globo atingindo um alcance inédito no país.
O livro também explora o papel da Globo durante a ditadura militar, uma das passagens mais controversas de sua história. Leonencio argumenta que, apesar do apoio público ao regime, a emissora também viveu tensões internas entre atender ao mercado e conviver com a censura. “Havia novelas e programas jornalísticos sendo censurados, e profissionais tentando publicar o que fosse possível. Era um drama constante”, disse.
Ele relata que, dentro das redações, havia resistência. “Existiam jornalistas de esquerda, socialistas, comunistas, que buscavam formas de subverter o sistema por meio da linguagem, dos temas tratados. É importante reconhecer que houve esforços para resistir, mesmo em um ambiente de repressão.”
Para Leonencio, a obra busca oferecer ao leitor uma visão crítica sobre o autoritarismo no Brasil e o papel das empresas de comunicação nesse processo. “O Brasil dos anos 1970 foi marcado por violência política, mortes e tortura. Muitos profissionais, dentro das limitações impostas, tentaram reverter esse cenário. A história da Globo está inserida nesse contexto.”
O autor também reflete sobre o legado deixado por Marinho e a importância de se discutir o papel das elites na construção da história nacional. “A Globo ajudou a moldar a cultura e a política do país. Entender sua trajetória é compreender uma parte central da identidade brasileira.”
Ao final, Leonencio espera que sua biografia contribua para o debate público sobre os limites entre imprensa e poder, e ajude a lançar luz sobre o impacto da mídia nas sociedades democráticas. “Precisamos compreender o passado para evitar os erros do presente. A ascensão da Globo nos ensina muito sobre comunicação, política e as escolhas que moldam um país.”
Fonte: Agência Brasil