O Brasil precisa unir forças com outros países para implementar uma regulação efetiva das plataformas de redes sociais, defende Débora Salles, coordenadora geral do Netlab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para a pesquisadora, as decisões recentes da Meta, controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp, demonstram a resistência das big techs em adotar práticas transparentes e reguladas.
Em entrevista à Agência Brasil, Salles, doutora em Ciência da Informação, analisou as implicações da decisão da Meta de reduzir a moderação de conteúdos potencialmente ofensivos ou enganosos em suas plataformas. Segundo ela, declarações de Mark Zuckerberg, fundador da Meta, reforçam o poder das redes sociais em determinar o que seus usuários veem, enquanto evitam tornar essas decisões transparentes.
Salles destacou que, ao anunciar a redução na moderação de conteúdos, a Meta admite controlar o que pode ou não ser visto nas redes sociais. A decisão, segundo ela, prioriza a liberdade de expressão e opiniões subjetivas, mas limita a transparência. “Estamos nos preparando para um cenário de menor transparência, o que reforça a falta de compromisso das plataformas com a sociedade”, alertou.
De acordo com Salles, a mudança não significa ausência de moderação, mas sim critérios mais brandos para conteúdos que não sejam claramente criminosos. No entanto, isso não elimina o problema central: “Essas plataformas decidem o que será moderado, sem deixar claro quais são os critérios utilizados”.
Outro ponto levantado pela pesquisadora é o interesse econômico por trás das decisões da Meta. Empresas como esta ganham ao estimular engajamento, mesmo que isso envolva a disseminação de conteúdos polêmicos ou falsos. “Quanto mais interagimos, mais lucro elas têm. Isso explica a resistência a regulações como as implementadas pela União Europeia, que geram custos adicionais às plataformas”, argumentou.
No caso do Brasil, o alinhamento da Meta com estratégias contra regulações reforça a necessidade de ações coletivas para enfrentar a resistência das big techs. “A regulação não resolve todos os problemas, mas é um marco fundamental para promover responsabilidade e transparência”, destacou.
Salles também chamou atenção para o impacto da decisão da Meta de encerrar parcerias com organizações de checagem de fatos, transferindo a responsabilidade para os próprios usuários. Ela classificou a medida como preocupante, pois faltam garantias sobre a eficácia das denúncias realizadas por usuários.
Além disso, ferramentas como as “notas da comunidade”, que Zuckerberg citou como alternativa, são frequentemente manipuladas. “Esse tipo de mecanismo não substitui o trabalho das agências de checagem, que, mesmo limitadas, são essenciais, especialmente em momentos de crise”, avaliou.
Para Salles, iniciativas isoladas dificilmente terão impacto significativo contra plataformas globais. Ela acredita que o Brasil deveria buscar parcerias com outros países da América Latina para criar uma frente regulatória mais forte. “Assim como a União Europeia, que agiu como bloco, a América Latina precisa atuar de forma conjunta para ter mais peso diante dessas empresas”, sugeriu.
Ainda segundo a especialista, os argumentos das big techs sobre liberdade de expressão são muitas vezes retóricos e usados para desviar o foco das reais questões, como transparência e responsabilização. “Não há como garantir direitos sem transparência. As plataformas precisam ser responsabilizadas tanto pelos conteúdos que hospedam quanto pelas propagandas veiculadas”, afirmou.
A criação de critérios vinculativos para transparência e responsabilidade foi apontada como essencial. Entre as medidas defendidas por Salles estão o acesso a dados, a garantia de direitos dos usuários e a responsabilização por crimes e infrações cometidos nas plataformas.
“É importante lembrar que crimes cometidos nessas redes muitas vezes geram receita para as plataformas. A ausência de consequências reais incentiva a continuidade desse modelo”, alertou.
Apesar dos desafios, Salles reforça a importância de construir uma regulação robusta, baseada em alianças transnacionais, para enfrentar a resistência das plataformas digitais e garantir um ambiente online mais seguro e transparente.
Fonte: Agência Brasil