Na estrada de Jadson Franklin, 21 anos, a paisagem é marcada por sol a pino, asfalto quente e os sons que ecoam tanto na janela quanto na memória. Estudante de Letras da Universidade de Pernambuco (UPE), Jadson viaja quase 100 quilômetros entre a agrestina Bom Jardim e a litorânea Recife todos os sábados, motivado por um compromisso que combina gratidão e esperança: ele é professor voluntário de Gramática no cursinho popular “Pré-Vestibura”, no bairro do Ibura, periferia da capital pernambucana.
A iniciativa, criada pela própria comunidade em 2020, nasceu como resposta às limitações enfrentadas pelos jovens locais para acessar a educação superior. Mais de 50 mil pessoas vivem no Ibura, e o projeto é um exemplo de resiliência e organização coletiva. Para os 130 alunos inscritos neste ano, as aulas não apenas preparam para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas também ampliam horizontes e promovem uma educação humanizada.
Jadson, que sempre estudou em escolas públicas, credita à educação e à dedicação de seus professores o fato de hoje estar na universidade. “Eu sou fruto da educação da minha família e da boa vontade de muitos professores que passaram pela minha vida”, reflete. Inspirado pelo apoio que recebeu, ele agora deseja retribuir: “Posso fazer um pouco do que fizeram por mim, como se fosse uma reparação”. Ao lecionar para jovens vulneráveis, ele se vê refletido nas dificuldades dos alunos: desconfianças, preconceitos e a luta para equilibrar trabalho e estudo.
O “Pré-Vestibura” foi idealizado por Bárbara Kananda, estudante de Ciências Sociais, nascida e criada no Ibura. Ela percebeu a dificuldade dos jovens da periferia em acessar cursinhos no centro da cidade e organizou as aulas, buscando espaços e parcerias para a iniciativa. Hoje, o cursinho funciona no auditório do Centro Comunitário da Paz (Compaz), com estrutura cedida pela prefeitura.
Wilber Mateus, cofundador e professor de História, divide seu tempo entre a universidade e o trabalho em uma pizzaria para manter-se financeiramente. Ele enxerga o projeto como uma ferramenta de transformação: “O trabalho coletivo pode ser um alicerce de mudança”.
A professora de Biologia Maysa Ribeiro, também ex-aluna do projeto, descreve o impacto que causa ao ensinar: “Gosto de ver os olhinhos dos alunos brilhando depois que entendem o assunto”. O mesmo entusiasmo é compartilhado por Thayso Guedes, que hoje leciona Matemática após ter sido aluno do cursinho em 2022. Ele se orgulha de inspirar os alunos e, mesmo equilibrando estágio e vida acadêmica, não pretende abandonar o voluntariado.
Mais do que preparar para provas, o “Pré-Vestibura” se propõe a conscientizar os alunos sobre seus direitos e a realidade social em que vivem. Oficinas e palestras abordam temas como combate ao racismo, homofobia, saúde mental e prevenção a vícios. Claudio Valente, professor de Sociologia e parte da coordenação do projeto, destaca que o cursinho valoriza o desenvolvimento humano e comunitário. “Conversar sobre a realidade é fundamental para a formação intelectual e humana”, afirma.
O professor Thiago Santos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), contextualiza que a desigualdade social no Brasil torna iniciativas como essa fundamentais. Segundo ele, o “Pré-Vestibura” é um exemplo prático de como a organização comunitária pode enfrentar desigualdades históricas e promover a educação como direito. “A consciência do acesso ao direito é o que permite aos sujeitos transformarem suas realidades”, conclui.
No “Pré-Vestibura”, o aprendizado vai além da sala de aula. Os professores voluntários são exemplos vivos de que o esforço e a educação podem abrir caminhos para mudanças significativas. O impacto da iniciativa ecoa não apenas na vida dos alunos, mas também na transformação social de uma comunidade que se recusa a esperar por soluções externas.
Fonte: Agência Brasil