Uma consulta médica sem sair de casa, realizada por meio de dispositivos conectados à internet, tornou-se uma realidade consolidada no Brasil. A teleconsulta, que ganhou força durante a pandemia de Covid-19, vem se firmando como uma alternativa segura e eficaz para o acompanhamento de pacientes. Mas essa modalidade pode realmente substituir as consultas presenciais?
Um estudo recente conduzido pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), buscou responder essa questão ao analisar a eficácia da teleconsulta no tratamento de pacientes com diabetes tipo 2. Publicada na renomada revista científica The Lancet, a pesquisa revelou que o atendimento remoto apresenta resultados equivalentes aos das consultas presenciais.
Telemedicina no tratamento do diabetes
O estudo analisou 278 pacientes do SUS em Joinville (SC), cidade escolhida por sua infraestrutura de telemedicina na rede pública. A maioria dos participantes eram mulheres (60%), com idades entre 54 e 68 anos, todas diagnosticadas com diabetes tipo 2, condição que exige monitoramento contínuo para evitar complicações graves.
Os pacientes foram divididos em dois grupos: um recebeu acompanhamento presencial, enquanto o outro participou de teleconsultas. Ambos tiveram a mesma quantidade de consultas, utilizando apenas medicamentos e exames disponibilizados pelo SUS. Ao final da pesquisa, constatou-se que o tratamento remoto foi tão eficaz quanto o presencial, reforçando a segurança e viabilidade dessa estratégia.
Para Daniela Rodrigues, uma das autoras do estudo, os resultados servem de base para expandir o uso da teleconsulta de forma estruturada e segura. “Ter uma pesquisa que comprova cientificamente a eficácia da teleconsulta é essencial para dar suporte a profissionais de saúde e gestores do setor”, destaca.
Segurança e desafios da teleconsulta
A gerente de pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Rosa Lucchetta, enfatiza que o estudo não busca sugerir que a teleconsulta é superior ao atendimento presencial, mas sim que é uma alternativa viável e segura. “O objetivo é mostrar que o atendimento virtual pode ser incorporado como uma opção dentro do sistema de saúde, sem prejuízos para os pacientes”, explica.
Contudo, especialistas apontam que a teleconsulta deve ser utilizada de maneira complementar, sem substituir totalmente o contato presencial. Emmanuel Fortes, primeiro vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), ressalta que a tecnologia é um avanço, mas tem limitações. “Existem aspectos que só podem ser avaliados presencialmente, como a cor da pele do paciente ou determinados sintomas perceptíveis apenas fisicamente”, observa.
Telessaúde e inclusão no SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi pioneiro na implementação da telessaúde no Brasil, com a criação do Programa Telessaúde Brasil Redes em 2006. A pandemia acelerou a adoção da tecnologia, levando o Conselho Federal de Medicina a regulamentar a telemedicina em 2022.
Atualmente, a Rede Brasileira de Telessaúde conta com 27 núcleos espalhados pelo país, oferecendo serviços como teleconsultas, telediagnósticos e teleconsultorias entre profissionais de saúde. Entre 2023 e 2024, foram realizados aproximadamente 4,6 milhões de teleatendimentos no Brasil.
Para a professora Ilara Hämmerli, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a teleconsulta deve ser integrada a um sistema de atenção abrangente. “O atendimento médico, seja presencial ou remoto, precisa estar conectado a uma rede de suporte, garantindo acesso a exames, diagnósticos e tratamentos complementares”, pontua.
Expansão da telessaúde e desafios futuros
Com o crescimento da telemedicina, o Ministério da Saúde estabeleceu como meta a implantação de dois novos Núcleos de Telessaúde por estado até 2026, além da ampliação dos Pontos de Telessaúde em regiões com baixa cobertura médica. A iniciativa visa fortalecer a integração entre serviços remotos e presenciais, garantindo que a teleconsulta complemente o atendimento tradicional, sem substituí-lo.
Outro desafio é a desigualdade no acesso à internet. Dados do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) indicam que apenas 22% da população brasileira com mais de 10 anos tem conectividade adequada. Para que a telessaúde seja plenamente eficaz, é essencial garantir infraestrutura digital e capacitação tecnológica para profissionais e pacientes.
A segurança dos dados também é um ponto de atenção. Com a crescente digitalização da saúde, há preocupação sobre a proteção de informações sensíveis, evitando que sejam exploradas por grandes empresas de tecnologia.
Apesar dos desafios, a teleconsulta se firma como um importante recurso para democratizar o acesso à saúde, especialmente para populações em regiões remotas e comunidades carentes. “Não se trata de substituir o atendimento presencial, mas de ampliar as possibilidades de acesso a uma saúde de qualidade para todos”, conclui Ilara Hämmerli.
Fonte: Agência Brasil